sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Desobjeto [manoel de barros]

O menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente estava próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada. Dentada um tanto que já se havia incuído no chão que nem era uma pedra um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente. O chão teria comido logo um pouco dos seus dentes. Camadas de areia e formigas roeram seu organismo. Se é que um pente tem organismo. 
O fato é que o pente estava sem costela. Não se pederia mais dizer de aquela coisa fora um pente ou um leque. As cores a chifre de que fora feito o pente deram lugar a um esverdeado a musgo. Acho que os bichos do lugar mijavam muito naquele desobjeto. O fato é que o pente perdera a sua personalidade. Estava encostado às raízes de uma árvore e não servia mais nem para pentear macaco. O menino que era esquerdo e tinha cacoete pra poeta, justamente ele enxergara o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio, um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele pente. 




BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: as infãncias de Manoel de Barros. SP: Editora Planeta do Brasil, 2010.

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