sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Pintura [manoel de barros]

Sempre compreendo o que faço depois que já fiz. O que sempre faço nem seja uma aplicação de estudos. É sempre uma descoberta. Não é nada procurado. É achado mesmo. Como se andasse num brejo e desse no sapo. Acho que é defeito de nascença isso. Igual como se a gente nacesse de quatro olhares ou de quatro orelhas. Um dia tentei desenhar as formas da manhã sem lápis. Já pensou? Por primeiro havia que humanizar a manhã. Torná-la biológica. Fazê-la mulher. Antesmente eu tentara coisificar as pessoas e humanizar as coisas. Porém humanizar o tempo! Umas parte do tempo? Era dose. Entretanto eu tentei. Pintei sem lápis a Manhã de pernas abertas para o sol.  A manhã era mulher e estava de pernas abertas para o sol. Na ocasião eu aprendera em Vieira (Padre Antônio, 1604, Lisboa) eu aprendera que as imagens pintadas com palavras eram para se ver de ouvir.  Então seria o caso de se ouvir a frase pra se enxergar a Manhã de pernas abertas? Estava humanizada essa beleza de tempo. E com os seus passarinhos, e as águas e o sol a fecundar o trecho. Arrisquei fazer isso com a Manhã, na cega. Depois que meu avô me ensinou que eu pintara a imagem erótica da Manhã. Isso fora.




BARROS, Manoel de. Memórias inventadas: as infãncias de Manoel de Barros. SP: Editora Planeta do Brasil, 2010. p. 85.

Nenhum comentário:

Postar um comentário