1.
Todo o produto cultural - ainda o mais alienado e superficial - oculta na massa da aparência a massa sólida e susbtanciosa que o projeta. A um olhar rápido, e que não penetra a matéria observada, os blogs não passam de "trenzinhos elétricos de diversão do ego", em que adolescentes desorientados estariam fazendo mera catarse, como têm dito aqueles que condenam, geralmente sem querer conhecer, essa nova forma de expressão.
Num certo aspecto, a acusação é verdadeira. Nesses novos espaços de comunicação, o ego passeia - como paseou, solene, na tragédia áurea, na lírica clássica e no drama burguês - porque o texto real ou virtual é a casa do ego, onde o ser lança seus fundamentos. E no labirinto do ego devorador é de pouca ou de nenhuma importância a diferença entre a dor de Homero e a angústia de uma estagiária de comunicação.
É bom que o ego passeie pelos blogs, e que se expanda, e que se desnude, especialmente nesta fase fundadora, de pura ex-pressão, quando o que é quer vir para fora, embora saia apertado e de baixo de vaias. De tanto mostrar-se, a expressão, no choque permanente contra o leito do rio da experiência, arredondará as suas formas, polirá as suas arestas e se transformará em arte. (O que chamamaos de Homero é a lenta sedimentação de um processo popular polifônico, que a tardia gramática helenista transformou em modelo de "bem-escrever".) Então, o olhar apressado há de deter-se sobre o novo objeto e será capaz de ad-mirá-lo.
Em sua protoforma, os blogs "parecem" ser a escória de uma civilização voyeurística, o destilado mais recente da tecnificação absoluta. No entanto, como à natureza apavora o absoluto e as afirmações categóricas, ela própria se encarregará de se vingar, transformando, ainda uma vez, o periférico e marginal em central e integrado, de tal forma que os blogs poderão vir a ser a mais autêntica forma de expressão artística do século XXI.
KIEFER, Charles. para ser escritor. SP: Leya, 2010.
sábado, 19 de março de 2011
segunda-feira, 7 de março de 2011
escritos de Barthes
A escrita artesanal, colocada no interior do patrimônio burguês, não perturba nenhuma ordem; privada de outros combates, o escritor possui uma paixão que basta para justificá-lo: a gestação da forma.
(...)
Nesse mesmo esforço de desvencilhamento da linguagem literária, eis uma outra solução: criar uma escrita branca, libertada de toda servidão a uma ordem marcada pela linguagem.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. SP: Martins Fontes, 2004.
(...)
Nesse mesmo esforço de desvencilhamento da linguagem literária, eis uma outra solução: criar uma escrita branca, libertada de toda servidão a uma ordem marcada pela linguagem.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. SP: Martins Fontes, 2004.
domingo, 6 de março de 2011
haicais de alice
luzes acesas
vozes amigas
chove melhor
por uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta
rede ao vento
se torce de saudade
sem você dentro
[Alice Ruiz]
GUTILLA, Rodolfo Witzig (org.). Haicai. SP: Cia da Letras, 2009.
vozes amigas
chove melhor
por uma só fresta
entra toda a vida
que o sol empresta
rede ao vento
se torce de saudade
sem você dentro
[Alice Ruiz]
GUTILLA, Rodolfo Witzig (org.). Haicai. SP: Cia da Letras, 2009.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
declarações de Leonilson
Eu não me preocupo com a forma, não me preocupo com a cor, não me preocupo com o lugar. Praticamente não tenho essas preocupações estéticas. Quando vou fazer um trabalho, estou diante do material e me preocupo com as partes que se juntam, por exemplo, dois tons de feltro, ou uma camisa rasgada como um "voile."
[depoimento no vídeo "Com o oceano inteiro para nadar", direção de Karen Harley]
Eu odeio o mercado de arte... É horrível lidar com essas pessoas; imagina ter que entregar meus trabalhos para um filho da puta desses fazer exposição?! Eu quero que meus trabalhos levem a mim e não a uma conta bancária.
[entrevista]
SALGADO, Renata. (org.). Imagem escrita. RJ: Graal, 1999.
[depoimento no vídeo "Com o oceano inteiro para nadar", direção de Karen Harley]
Eu odeio o mercado de arte... É horrível lidar com essas pessoas; imagina ter que entregar meus trabalhos para um filho da puta desses fazer exposição?! Eu quero que meus trabalhos levem a mim e não a uma conta bancária.
[entrevista]
SALGADO, Renata. (org.). Imagem escrita. RJ: Graal, 1999.
O espelho de Rosa
Devia ou não devia contar-lhe, por motivos de talvez. Do que digo, decubro, deduzo. Será, se? Apalpo o evidente? Tresbusco. Será este nosso desengonço e mundo o plano - intersecção de planos - onde se completam de fazer as almas?
Se sim, a "vida" consiste em experiência extrema e séria; sua técnica - ou pelo menos parte - exigindo o consciente alijamento , o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o "salto mortale"... - digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem do toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: - "Você chegou a existir?"
Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?
[O espelho]
ROSA, João Guimarães. Primeira estórias. 1 ed. especial. RJ: Nova Fronteira, 2005.
Se sim, a "vida" consiste em experiência extrema e séria; sua técnica - ou pelo menos parte - exigindo o consciente alijamento , o despojamento, de tudo o que obstrui o crescer da alma, o que a atulha e soterra? Depois, o "salto mortale"... - digo-o, do jeito, não porque os acrobatas italianos o aviventaram, mas por precisarem do toque e timbre novos as comuns expressões, amortecidas... E o julgamento-problema, podendo sobrevir com a simples pergunta: - "Você chegou a existir?"
Sim? Mas, então, está irremediavelmente destruída a concepção de vivermos em agradável acaso, sem razão nenhuma, num vale de bobagens? Disse. Se me permite, espero, agora, sua opinião, mesma, do senhor, sobre tanto assunto. Solicito os reparos que se digne dar-me, a mim, servo do senhor, recente amigo, mas companheiro no amor da ciência, de seus transviados acertos e de seus esbarros titubeados. Sim?
[O espelho]
ROSA, João Guimarães. Primeira estórias. 1 ed. especial. RJ: Nova Fronteira, 2005.
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Delírios de Rimbaud
Para mim. A história de minhas loucuras. Há muito me gabava de possuir todas as paisagens possíveis, e julgava irrisórias as celebridades da pintura e da poesia moderna.
Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassados, contos de fadas, pequenos livros infantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, ritmos ingênuos.
Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.
Inventava a cor das vogais! - A negro, E brabco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos. Era comigo traduzi-los.
Foi um primeiro experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.
[Delírios, II, Alquimia do verbo]
RIMBAUD, Arthur. Uma temporada no inferno. POA: L&PM, 2006.
Gostava das pinturas idiotas, em portas, decorações, telas circenses, placas, iluminuras populares; a literatura fora de moda, o latim da igreja, livros eróticos sem ortografia, romances de nossos antepassados, contos de fadas, pequenos livros infantis, velhas óperas, estribilhos ingênuos, ritmos ingênuos.
Sonhava com as cruzadas, viagens de descobertas de que não existem relatos, repúblicas sem histórias, guerras de religião esmagadas, revoluções de costumes, deslocamentos de raças e continentes: acreditava em todas as magias.
Inventava a cor das vogais! - A negro, E brabco, I vermelho, O azul, U verde. Regulava a forma e o movimento de cada consoante, e, com ritmos instintivos, me vangloriava de ter inventado um verbo poético acessível, um dia ou outro, a todos os sentidos. Era comigo traduzi-los.
Foi um primeiro experimento. Escrevia silêncios, noites, anotava o inexprimível. Fixava vertigens.
[Delírios, II, Alquimia do verbo]
RIMBAUD, Arthur. Uma temporada no inferno. POA: L&PM, 2006.
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